Leniência militar produziu Bolsonaro-Pazuello 6l1a49
General da ativa, Eduardo Pazuello atropelou regras de ética, profissionalismo, hierarquia e disciplina que proíbem o engajamento de militares na política 4u3d1n

Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, 63 anos, cearense de Igatu, vai tomar uma decisão que, provavelmente, é a mais difícil dos seus 47 anos na carreira militar.
O comandante do Exército terá de decidir o que fazer com o general Eduardo Pazuello, que ontem subiu no palanque e participou de um comício do presidente-candidato Jair Bolsonaro no Rio.
Pazuello, como o seu comandante, tem mais de quatro décadas de serviço na caserna, mas resolveu não seguir o ritual estabelecido no Exército: atropelou todo um conjunto de regras de ética, profissionalismo, hierarquia e disciplina que proíbem o engajamento de militares da ativa na política partidária.
LEIA TAMBÉM: A última transgressão de Pazuello na ativa
O ex-ministro da Saúde assumiu o risco. As sanções possíveis oscilam em gravidade crescente, da advertência ao “licenciamento e exclusão a bem da disciplina”.
Jair Bolsonaro sabe o significado disso. Três décadas atrás, no governo José Sarney, ele foi preso e processado por anarquia. Esteve envolvido num plano atentados na Vila Militar, no Rio — revelado pela repórter Cassia Maria, de Veja.
O vice-presidente Hamilton Mourão também conhece o sentido da quebra da disciplina e da hierarquia. Perdeu o comando Sul no governo Dilma Rousseff por incitar um golpe de Estado para “descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Transferido, amargou uma temporada no “Departamento de Escadas e Corredores” do Quartel-General em Brasília.
Em 2017, no governo Michel Temer, voltou a pregar um golpe. Acabou conduzido à reserva por seu comandante na época, Eduardo Villas Bôas.
No ano seguinte, o próprio Villas Bôas arriscou uma intervenção na política. Em nome do Exército divulgou mensagem sobre o risco de “impunidade” no Supremo, na véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula. “O conteúdo foi discutido minuciosamente por todos nós”, contou em entrevista ao historiador Celso Castro, da Fundação Getulio Vargas.
O general Villas Bôas foi “um dos responsáveis” pela eleição de Bolsonaro, como já disse o presidente-candidato em agradecimento público. Não foi o único entre os chefes de quartéis.
A cúpula das Forças Armadas aceitou que Bolsonaro realizasse um amálgama dos seus interesses com os das instituições militares. Da leniência surgiu a confusão.
O presidente deu ao governo uma moldura militarista e ou a tratar Exército, Marinha e Aeronáutica como órgãos de governo, quando a Constituição define como instituições do Estado.
Bolsonaro fez comício na porta do QG do Exército com plateia pedindo intervenção armada, entregou a gestão da pandemia a Walter Braga Netto, que ou à reserva um mês antes de assumir a Casa Civil, e ao general Pazuello, no Ministério da Saúde, entre outros militares.
Pazuello se tornou um símbolo da perda do controle governamental na gestão da pandemia, como está sendo demonstrado pela I na autópsia da crise, que ainda não terminou.
Não esteve no comício de Bolsonaro por acaso. Imagens de televisão mostram a sua chegada, a travessia pela multidão no Aterro do Flamengo, a apresentação nas barreiras de segurança e a subida ao palanque e o discurso homenagem ao chefe político.
Virou protagonista daquilo que pode vir a ser uma crise militar.
Se for punido pelo comandante do Exército será referência da manutenção da disciplina, da ordem constitucional e da equidistância entre os quartéis e o governo Bolsonaro – algo que custou a demissão dos chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica no mês ado.
Se não for punido, Pazuello terá demonstrado que a hierarquia e a disciplina militar existem, mas só valem para patentes inferiores.
Há, também, a possibilidade regulamentar de ser punido e, na sequência, acabar perdoado pelo chefe político. Nesse caso, estaria, na prática, liberada a anarquia nos quartéis — como temia o general Ernesto Geisel, que precisou demitir seu ministro do Exército, Sylvio Frota, para mandar a tropa de volta aos quartéis.
O primeiro movimento, agora, será de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército.