
Poucos dias após ser condenada a dez anos de prisão em regime fechado pelo Supremo Tribunal Federal, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) anunciou que deixou o Brasil. Em declarações à imprensa disse que está na Europa e que vai pedir licença do mandato parlamentar. Ela afirma ter cidadania europeia e garante que a viagem tem caráter médico, não político.
Em 17 de maio, o STF condenou Zambelli e o hacker Walter Delgatti Neto por invasão de sistemas e falsidade ideológica, no âmbito de um ataque ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Delgatti confessou que recebeu instruções e textos diretamente da deputada para falsificar documentos – incluindo um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. As penas incluem multa de dois mil salários mínimos e indenização de R$ 2 milhões por danos morais e materiais.
Além da prisão, o STF decretou a perda do mandato parlamentar, mas a decisão ainda precisa ser confirmada pela Câmara dos Deputados.
Zambelli alega que foi para a Europa para continuar um tratamento médico que já realizava no Brasil e que pretende “resistir” ao que considera uma “ditadura” no país. Ela também promete denunciar o que vê como perseguição política em cortes europeias. Seu discurso político busca se colocar como vítima de um sistema que, segundo ela, cerceia liberdades – o que não é verdade.
Faltam explicações sobre a real extensão do tratamento médico alegado, os detalhes da cidadania europeia que ela diz possuir e a disposição dela para voltar ao Brasil e cumprir a pena, caso todos os recursos sejam esgotados.
O fato de Zambelli declarar ter cidadania europeia levanta dúvidas sobre eventuais processos de extradição, caso o trânsito em julgado confirme a sentença. Especialistas em direito internacional afirmam que, se ela de fato tiver cidadania europeia, o país de destino pode recusar a extradição ou impor condições para a transferência – o que pode se transformar em mais um ime jurídico.
VEJA publicou matéria confirmando a informação dada pelo advogado de Zambelli de que ela teria saído do país para um tratamento de saúde e que não informou o destino aos assessores mais próximos. Embora tenha feito algumas declarações em entrevistas sobre a viagem, a deputada não havia prestado esclarecimentos formais e detalhados à imprensa até aquele momento. Daí porque a Procuradoria-Geral da República acerta em pedir a prisão da parlamentar.
Desde o anúncio de que deixaria o Brasil, Zambelli busca reforçar a narrativa de que sofre perseguição política. Esse discurso – que ecoa entre seus apoiadores – contrasta com a gravidade das acusações e a robustez das provas apresentadas pelo STF. O mínimo que se espera, no entanto, é que a parlamentar apresente publicamente o real motivo da viagem e do tratamento médico, provas concretas de sua disposição para cumprir a sentença e documentos que comprovem ou refutem a alegação de cidadania europeia.
A ausência de respostas objetivas e a insistência em um discurso de vítima política não apenas fragilizam a credibilidade de Zambelli, que já não é muito grande, mas também colocam em xeque o respeito às decisões do STF e o funcionamento das instituições democráticas. Ao mesmo tempo, alimentam a desinformação em meio a um cenário político já polarizado.
Zambelli, que até poucos dias ocupava a tribuna para cobrar “ordem e disciplina” no país, agora deve ao Brasil – e à própria democracia que a elegeu – uma explicação clara: irá ou não cumprir a pena que lhe foi imposta?