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A era do giz virtual: a inteligência artificial começa a entrar no cotidiano do ensino 6k76l

Como não há jeito de tirá-la de cena, o caminho é saber usá-la com bom senso 2q4t39

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jun 2025, 11h14 - Publicado em 6 jun 2025, 06h00

Foi como uma avalanche — comparável, talvez, ao espanto da plateia em uma sala em Lyon, assustada com a imagem do trem se aproximando da estação de Ciotat como se saísse da tela na direção da audiência. Era 1895, e os irmãos Auguste e Louis Jean Lumière davam os primeiros os na criação do cinema. Em 2022, quando os robôs de inteligência artificial (IA) como o ChatGPT vieram à luz, deu-se reação semelhante e quase unânime, de sobressalto e protesto, em uma área particular do conhecimento: representaria a falência da educação. A ferramenta não demoraria a ser usada como cola e perda do pensamento crítico, dada a facilidade de o a respostas e lugares-comuns.

Outro problema seria a desinformação associada à superficialidade, e adeus leitura. O ChatGPT, enfim, mataria o ado sem oferecer trilho para o futuro. O ar do tempo — e lá se vão apenas três anos, se tanto — oferece uma outra conclusão. Os vagões da IA não matarão o ensino, ao contrário, e, por não haver como desviar do comboio, trata-se agora de aperfeiçoar o uso nas salas de aula, entre estudantes e professores.

arte IA

Uma recente pesquisa realizada pelo instituto britânico Hepi, especializado em políticas de ensino, mostrou que 92% dos alunos usam IA de alguma forma — em 2024 eram 66%. Um estrondoso grupo — 88% dos ouvidos — afirmou usar o recurso para trabalhos domiciliares e provas. No ano ado, o lote era de 53%. Os números indicam que, muito rapidamente, o tabu caiu, porque o medo deu lugar à realidade. Um outro modo de medir a expansão da ferramenta é por meio do dinheiro que movimenta: foram 25,2 bilhões de dólares em 2023 e estima-se 112,3 bilhões de dólares em 2034, em todo o planeta, de acordo com um levantamento da consultoria americana MarketsandMarkets. No Brasil, haverá um salto de 20,5 milhões de dólares em investimentos para 793 milhões de dólares. É estrondoso, indício de algo ter mudado.

Dito de outro modo: o bode está na sala, e por ser impossível tirá-lo é o caso de aprender a lidar com ele. Será preciso inteligência humana, é claro, e é o que vem sendo exercitado, dia a dia, minuto a minuto. Não vivemos ainda o melhor dos mundos, mas tampouco o pior dos mundos. O momento a que chegamos é interessantíssimo e pede um freio de arrumação. A era do giz virtual chegou.

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BÊ-Á-BÁ - Professores do Colégio Bandeirantes (SP): capacitação
BÊ-Á-BÁ – Professores do Colégio Bandeirantes (SP): capacitação (Colégio Bandeirantes/Divulgação)

Despontam, em movimentação inédita, iniciativas de bom uso da IA diante da lousa e além. O governo do estado de São Paulo acaba de adotar um modelo de IA para corrigir o dever de casa dos alunos da rede estadual. O mecanismo funciona, por enquanto, como projeto-piloto em 5% das tarefas dos estudantes do 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio de língua portuguesa, matemática, ciências, química, física, geografia e história — o que corresponde a cerca de 4 a 5 milhões de questões dissertativas em um mês. Os alunos utilizam uma plataforma chamada TarefaSP. Apenas no início deste ano letivo, quase 95 milhões de questões já foram vasculhadas pelos professores por meio de algoritmos. Todas as lições são baseadas nas aulas e no Currículo Paulista. Cada conjunto de questões deve ser liberado depois de a aula de um assunto específico ser ministrada pelos docentes da rede. Nesses deveres, portanto, a IA “varre” as questões discursivas. A secretaria paulista construiu o mecanismo usando como base o modelo de linguagem ChatGPT na versão número 4. Em cima dele, foi desenvolvido um mecanismo em que as respostas dos alunos são comparadas com gabaritos construídos previamente por professores da rede — o que minimiza os riscos de a IA ter “alucinações” e sair inventando bobagem sem censura.

Há outras iniciativas recentes muito interessantes. As turmas do 3º ano do ensino médio da rede estadual do Espírito Santo têm, desde 2022, o à Letrus, uma IA que corrige as redações com base nos parâmetros do Enem. Em 2023, a nota do estado aumentou. Diversas escolas privadas já adotam no Brasil aplicativos internacionais como o Magic School, que ajudam professores a criar avaliações e têm um chatbot para o aluno interagir e tirar dúvidas. A Somos Educação, um grupo com 6 400 escolas no país, desenvolveu a Plurall IA, que também corrige tarefas, como em São Paulo. Ela também auxilia o estudante a resolver questões e oferece listas de exercícios personalizados. No Paraná, as escolas da rede estadual adotaram desde meados do ano ado o Khanmigo, ferramenta de IA da prestigiosa Khan Academy, organização sem fins lucrativos de reputação internacional, ponta de lança da inovação e da tecnologia a serviço da sala de aula (leia a entrevista com o fundador da entidade, Sal Khan). A ideia é que o Khanmigo agora se espalhe pelo país, na função de “tutor digital”, ao oferecer e individualizado às necessidades de cada aluno, incentivando a reflexão e não as respostas prontas.

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TUTOR DIGITAL - Computador em sala de aula: apoio indissociável e definitivo da relação entre mestres e pupilos
TUTOR DIGITAL - Computador em sala de aula: apoio indissociável e definitivo da relação entre mestres e pupilos (E+/Getty Images)

Há um saudável movimento de letramento, digamos assim, ao levar-se o “inimigo” para dentro das escolas — especialmente o corpo docente teve de se adaptar com velocidade, trocando o imediato “não, não pode” por “o.k., vamos pensar como usar melhor”. O resultado é muito bom, com organização facilitada e, inclusive, pegada lúdica. “A IA nos autoriza a criar aulas atreladas ao recurso de games, por exemplo”, diz Emerson Pereira, diretor de tecnologia do Colégio Bandeirantes, que criou uma cartilha de boas práticas de IA. No Vale do Silício, nos Estados Unidos, há casos de escolas que desenvolveram aplicativos destinados a crianças e adolescentes dentro do transtorno de espectro autista.

Não demorou, é natural, para brotar controvérsia dentro das relações entre mestres e pupilos. Houve protestos de alunos ao descobrirem que os professores estavam usando os recursos de IA que tanto criticavam, considerando-a trapaça. “Não há contrafação desde que o uso seja transparente”, diz Verônica Cannatá, coordenadora de tecnologia educacional do centenário colégio paulistano Dante Alighieri. O resultado: os mestres usam, tanto para montar trabalho e programas quanto para lidar com as avaliações, mas a estudantada também recebeu o aval, desde que deixem claro, sem esconder, em que pontos emprestaram ideias dos robôs. “Ninguém deve acreditar em tudo que está nas redes sociais, nem no conteúdo apresentado pela IA”, diz Ana Finamor, professora e coordenadora de cursos de MBA em gestão empresarial da FGV de São Paulo. O nome do jogo: bom senso. “A IA define processos, modelos, negócios e até as relações humanas”, diz Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú.

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ILUSÃO - Thomas Alva Edison (à dir.) com um cinematógrafo, em 1911: “Os livros escolares desaparecerão; é possível ensinar qualquer coisa por meio do cinema”
ILUSÃO - Thomas Alva Edison (à dir.) com um cinematógrafo, em 1911: “Os livros escolares desaparecerão; é possível ensinar qualquer coisa por meio do cinema” (Library of Congress/Getty Images)

Não convém, tudo somado, reagir como Thomas Alva Edison, que em 1913 soltou uma de suas máximas mais conhecidas, quando os filmes começaram a ser mostrados em salas de aula como peça pedagógica: “Os livros escolares desaparecerão; é possível ensinar qualquer coisa por meio do cinema”. Um século depois daquela boutade, percebe-se que os livros escolares não sumiram — ainda que os jovens de hoje, debruçados em smartphones, leiam cada vez menos, cercados de reels. Edison abusou do chamado “determinismo tecnológico”, que pressupõe o apocalipse diante de inovações. Não foi assim lá atrás, e não será assim agora. O erro é olhar apenas as ferramentas e desdenhar da pedagogia. O caminho é dar as mãos para a IA e tê-la como aliada. O trem não vai nos atropelar.

Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947

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